O que é realmente a BLACKWATER: por JEREMY SCAHILL
Enviado: 26 Ago 2009, 09:57
É uma matéria um pouco antiga, mas vale a pena ler:
Blackwater: exércitos privados mimetizam Forças Armadas dos EUA
Publicado em Junho 23, 2008 por José Correa Leite
Empresas mercenárias, como a Blackwater, “são capazes de derrubar um pequeno governo”, afirma autor americano. Jeremy Scahill diz que governos não precisam mais de aliados – basta alugar soldados; empresas agem em impunidade quase total.
Veja a seguir entrevista com Jeremy Scahill, autor do livro Blackwater – A Ascensão do Exército Mercenário Mais Poderoso do Mundo.
Fonte: Folha de S.Paulo, 22/6/2008
Entrevista por Andrea Murta
A empresa americana Blackwater começou a aparecer para o público em 2004, quando quatro de seus “agentes privados de segurança” – nome eufemístico dado a mercenários modernos – foram mortos, mutilados e queimados por uma multidão furiosa na cidade iraquiana de Fallujah. Em 2007, novas manchetes dedicadas à Blackwater deram pistas do motivo do ódio de iraquianos a agentes privados: mercenários da empresa mataram 17 civis em Bagdá, em ação, segundo investigação do FBI, absolutamente injustificada.
E os mercenários não estão no Iraque por acaso: são contratados pelos EUA para, principalmente, fazer a segurança de diplomatas e instalações – com ação facilitada pela quase completa impunidade. Para Jeremy Scahill, autor de “Blackwater – A Ascensão do Exército Mercenário Mais Poderoso do Mundo” (Companhia das Letras, 2008, R$ 52), os negócios andam tão bem para empresas mercenárias que elas já “são capazes de derrubar um pequeno governo”. E atuam, inclusive, na América Latina. Leia a seguir a entrevista que ele concedeu à Folha.
FOLHA – Como a Blackwater reflete a história da guerra moderna?
JEREMY SCAHILL – Ela representa a nova face das guerras travadas pelos EUA. Desde a Segunda Guerra, o governo americano vem privatizando radicalmente suas capacidades militares. No Iraque, há mais agentes privados do que soldados americanos. A Blackwater formou um aparato paralelo das forças de segurança: tem Força Aérea, Marinha, aeroportos. E 90% dos contratos da Blackwater são com o governo americano.
Agora estão trabalhando em sua própria agência de inteligência, uma CIA particular. Veja, atualmente os EUA têm 16 agências governamentais de inteligência, com um orçamento conjunto de entre US$ 40 bilhões e US$ 60 bilhões -o número exato é secreto. 70% desse orçamento é usado para pagar serviços de empresas privadas. Quem garante que uma empresa privada que tem milhões em contratos com o governo americano não vai incluir em relatórios para outros governos informações que são de interesse da Casa Branca?
FOLHA – Qual a relação dos mercenários com a guerra ao terror?
SCAHILL – São parte essencial da guerra ao terror. Um presidente como George W. Bush pode ganhar muito com essas empresas. Ele não precisa mais formar uma coalizão com governos estrangeiros nem lidar com uma opinião pública internacional hostil. Pode pagar por uma coalizão de corporações, que vão contratar mercenários, inclusive em países cujos governos se opõem às guerras.
Isso aconteceu no Chile, que votou contra a invasão do Iraque quando era membro rotativo do Conselho de Segurança da ONU. O governo Bush, através da Blackwater, enviou para o Iraque centenas de chilenos.
Outra questão é que, como não há contagem oficial das mortes dos agentes privados, isso encobre o custo humano. Os americanos pensam que há 150 mil soldados no Iraque, mas há outros 180 mil mercenários contratados pelo governo. Então na verdade são mais de 330 mil soldados.
E não há leis sendo aplicadas sobre a punição de agentes privados em caso de abuso. Isso é uma ameaça à segurança das pessoas do mundo todo, porque não param de crescer esses exércitos privados com capacidade suficiente para derrubar um pequeno governo.
FOLHA – Como os mercenários atuam na América Latina?
SCAHILL – Neste exato momento, a Blackwater está participando de uma gigantesca concorrência para trabalhar para o governo americano em sua “luta contra as drogas”. Esse programa, na América Latina, visa a agir na Colômbia e na Bolívia. Nesses países já há outra empresa do tipo, a DynCorp, que faz serviços para os EUA no que deveria ser ação antidrogas, mas que não passa de contra-insurgência. Os EUA repassam a Bogotá milhões de dólares ao ano dentro do Plano Colômbia, e estima-se que o governo colombiano gaste quase a metade com empresas mercenárias.
Elas treinam forças locais, pilotam helicópteros e já participaram de confrontos internos. No Brasil, a Embraer recentemente vendeu uma aeronave de combate Super Tucano para a Blackwater, em um acordo autorizado pelo governo Lula, em negociações com os EUA. Acho que isso levanta questões sérias sobre por que o Brasil acredita ser adequado vender aviões a uma empresa com uma reputação de abusos e violência no mundo inteiro. Até porque a América Latina é a próxima fronteira para essas empresas.
FOLHA – O sr. crê que a Blackwater dá proteção adequada a seus empregados?
SCAHILL – Essa é uma das ironias da Blackwater. Na maior parte dos casos, eles têm equipamentos melhores e pessoal mais qualificado do que um soldado comum americano, mas às vezes enviam equipes muito mal preparadas para situações muito perigosas. E é comum que contratados de países pobres sejam destacados para a linha de frente. E recebem menos: colombianos recrutados pela Blackwater foram enviados ao Iraque com um salário de US$ 34 por dia, enquanto um agente americano chega a receber US$ 650 diários. Parece que a vida de um colombiano vale menos, para a Blackwater, do que a de um americano.
FOLHA – A Blackwater também defende interesses econômicos e internos da Casa Branca?
SCAHILL – Sim. Atua na vigilância de investimentos americanos no exterior, por exemplo, nos planos de oleoduto na região do mar Cáspio. E tem forte atuação dentro dos EUA. Foram contratados para patrulhar Nova Orleans depois do furacão Katrina (2005). Acabaram de abrir um enorme centro de treinamento em San Diego (Califórnia), a poucos quilômetros da fronteira com o México, para treinar as patrulhas de fronteira. E discute-se a privatização da polícia de fronteira dos EUA.
FOLHA – Como os mercenários afetam a política mundial?
SCAHILL – As conseqüências são muito sérias. Os governos estão abrindo mão do monopólio da força e da “violência organizada”, que é uma das coisas que definem o Estado. Agora há empresas privadas que têm a força e o poder de fogo para potencialmente substituir a necessidade de alianças como a Otan. A parte mais deprimente é que a penetração dos mercenários já foi longe demais, não sei como pode acabar.
Blackwater: exércitos privados mimetizam Forças Armadas dos EUA
Publicado em Junho 23, 2008 por José Correa Leite
Empresas mercenárias, como a Blackwater, “são capazes de derrubar um pequeno governo”, afirma autor americano. Jeremy Scahill diz que governos não precisam mais de aliados – basta alugar soldados; empresas agem em impunidade quase total.
Veja a seguir entrevista com Jeremy Scahill, autor do livro Blackwater – A Ascensão do Exército Mercenário Mais Poderoso do Mundo.
Fonte: Folha de S.Paulo, 22/6/2008
Entrevista por Andrea Murta
A empresa americana Blackwater começou a aparecer para o público em 2004, quando quatro de seus “agentes privados de segurança” – nome eufemístico dado a mercenários modernos – foram mortos, mutilados e queimados por uma multidão furiosa na cidade iraquiana de Fallujah. Em 2007, novas manchetes dedicadas à Blackwater deram pistas do motivo do ódio de iraquianos a agentes privados: mercenários da empresa mataram 17 civis em Bagdá, em ação, segundo investigação do FBI, absolutamente injustificada.
E os mercenários não estão no Iraque por acaso: são contratados pelos EUA para, principalmente, fazer a segurança de diplomatas e instalações – com ação facilitada pela quase completa impunidade. Para Jeremy Scahill, autor de “Blackwater – A Ascensão do Exército Mercenário Mais Poderoso do Mundo” (Companhia das Letras, 2008, R$ 52), os negócios andam tão bem para empresas mercenárias que elas já “são capazes de derrubar um pequeno governo”. E atuam, inclusive, na América Latina. Leia a seguir a entrevista que ele concedeu à Folha.
FOLHA – Como a Blackwater reflete a história da guerra moderna?
JEREMY SCAHILL – Ela representa a nova face das guerras travadas pelos EUA. Desde a Segunda Guerra, o governo americano vem privatizando radicalmente suas capacidades militares. No Iraque, há mais agentes privados do que soldados americanos. A Blackwater formou um aparato paralelo das forças de segurança: tem Força Aérea, Marinha, aeroportos. E 90% dos contratos da Blackwater são com o governo americano.
Agora estão trabalhando em sua própria agência de inteligência, uma CIA particular. Veja, atualmente os EUA têm 16 agências governamentais de inteligência, com um orçamento conjunto de entre US$ 40 bilhões e US$ 60 bilhões -o número exato é secreto. 70% desse orçamento é usado para pagar serviços de empresas privadas. Quem garante que uma empresa privada que tem milhões em contratos com o governo americano não vai incluir em relatórios para outros governos informações que são de interesse da Casa Branca?
FOLHA – Qual a relação dos mercenários com a guerra ao terror?
SCAHILL – São parte essencial da guerra ao terror. Um presidente como George W. Bush pode ganhar muito com essas empresas. Ele não precisa mais formar uma coalizão com governos estrangeiros nem lidar com uma opinião pública internacional hostil. Pode pagar por uma coalizão de corporações, que vão contratar mercenários, inclusive em países cujos governos se opõem às guerras.
Isso aconteceu no Chile, que votou contra a invasão do Iraque quando era membro rotativo do Conselho de Segurança da ONU. O governo Bush, através da Blackwater, enviou para o Iraque centenas de chilenos.
Outra questão é que, como não há contagem oficial das mortes dos agentes privados, isso encobre o custo humano. Os americanos pensam que há 150 mil soldados no Iraque, mas há outros 180 mil mercenários contratados pelo governo. Então na verdade são mais de 330 mil soldados.
E não há leis sendo aplicadas sobre a punição de agentes privados em caso de abuso. Isso é uma ameaça à segurança das pessoas do mundo todo, porque não param de crescer esses exércitos privados com capacidade suficiente para derrubar um pequeno governo.
FOLHA – Como os mercenários atuam na América Latina?
SCAHILL – Neste exato momento, a Blackwater está participando de uma gigantesca concorrência para trabalhar para o governo americano em sua “luta contra as drogas”. Esse programa, na América Latina, visa a agir na Colômbia e na Bolívia. Nesses países já há outra empresa do tipo, a DynCorp, que faz serviços para os EUA no que deveria ser ação antidrogas, mas que não passa de contra-insurgência. Os EUA repassam a Bogotá milhões de dólares ao ano dentro do Plano Colômbia, e estima-se que o governo colombiano gaste quase a metade com empresas mercenárias.
Elas treinam forças locais, pilotam helicópteros e já participaram de confrontos internos. No Brasil, a Embraer recentemente vendeu uma aeronave de combate Super Tucano para a Blackwater, em um acordo autorizado pelo governo Lula, em negociações com os EUA. Acho que isso levanta questões sérias sobre por que o Brasil acredita ser adequado vender aviões a uma empresa com uma reputação de abusos e violência no mundo inteiro. Até porque a América Latina é a próxima fronteira para essas empresas.
FOLHA – O sr. crê que a Blackwater dá proteção adequada a seus empregados?
SCAHILL – Essa é uma das ironias da Blackwater. Na maior parte dos casos, eles têm equipamentos melhores e pessoal mais qualificado do que um soldado comum americano, mas às vezes enviam equipes muito mal preparadas para situações muito perigosas. E é comum que contratados de países pobres sejam destacados para a linha de frente. E recebem menos: colombianos recrutados pela Blackwater foram enviados ao Iraque com um salário de US$ 34 por dia, enquanto um agente americano chega a receber US$ 650 diários. Parece que a vida de um colombiano vale menos, para a Blackwater, do que a de um americano.
FOLHA – A Blackwater também defende interesses econômicos e internos da Casa Branca?
SCAHILL – Sim. Atua na vigilância de investimentos americanos no exterior, por exemplo, nos planos de oleoduto na região do mar Cáspio. E tem forte atuação dentro dos EUA. Foram contratados para patrulhar Nova Orleans depois do furacão Katrina (2005). Acabaram de abrir um enorme centro de treinamento em San Diego (Califórnia), a poucos quilômetros da fronteira com o México, para treinar as patrulhas de fronteira. E discute-se a privatização da polícia de fronteira dos EUA.
FOLHA – Como os mercenários afetam a política mundial?
SCAHILL – As conseqüências são muito sérias. Os governos estão abrindo mão do monopólio da força e da “violência organizada”, que é uma das coisas que definem o Estado. Agora há empresas privadas que têm a força e o poder de fogo para potencialmente substituir a necessidade de alianças como a Otan. A parte mais deprimente é que a penetração dos mercenários já foi longe demais, não sei como pode acabar.